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UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA

2024.07.06

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“Três quilómetros, em linha reta, separam o Castelo de São Jorge da avenida da República, em Lisboa. Na História, esta distância é de mais de 600 anos — o tempo que separa e o tempo que une a Casa dos Contos ao atual Tribunal de Contas. Por entre ruas, ruelas e grandes avenidas, este percurso faz-se pela Lisboa medieval e da consolidação do Estado, atravessa a Lisboa — cidade global do Renascimento —, estende-se pela Lisboa do pós-Terramoto de 1755 e termina na Lisboa do século XXI e das Avenidas Novas”. Assim começa o primeiro dos 15 capítulos que compõem o livro “A História que as Contas nos Contam”, cujo lançamento decorreu esta sexta-feira, na Torre do Tombo, no âmbito das Comemorações do 635.º aniversário do Tribunal de Contas.

Editada em conjunto com a Imprensa Nacional Casa da Moeda, esta obra é uma viagem pelo Arquivo Histórico do Tribunal de Contas que nos transporta para além d​a história da instituição. É uma viagem pela História de Portugal e das Finanças Públicas do País.

Um livro que nos permite ficar com uma ideia da história de Lisboa e modos de vida dos seus habitantes, da evolução da ocupação do espaço e tipo de propriedade. Um conhecimento obtido pela leitura dos mais de 7000 livros relativos ao imposto Décima da Cidade de Lisboa que nos indicam, por exemplo, que, em 1779, a renda mais elevada na Rua Larga de São Roque, hoje Rua da Misericórdia, era de 650$000 réis e a mais baixa de 3$200 réis, e era paga por “António Francisco, criado de servir do proprietário do prédio”.

O conjunto documental da Décima, com mais de 14 mil livros (de 1762 a 1834) representa um dos maiores acervos do Arquivo Histórico do Tribunal de Contas.

Um livro em que ficamos a saber que a Carta Régia para o governador da ilha de São Miguel, datada de 4 de julho de 1760, exigia que a expulsão e sequestro dos bens do Colégio jesuíta de Todos-os-Santos, em Ponta Delgada “se possa fazer na mesma tranquilidade e silêncio, com que se executou nestes reinos”. Na mesma Carta seguia também a ordem para que o governador fizesse remeter ao Juízo da Inconfidência, com toda a exatidão e brevidade, o inventário do sequestro. Um dos muitos episódios que o conjunto documental da Junta da Inconfidência do Arquivo do Tribunal nos revela sobre este conturbado período da história portuguesa.

O Arquivo Histórico do Tribunal de Cont​as tem ainda no seu espólio, o Livro dos Achados do Terramoto de 1755, composto por 340 assentos onde são identificadas as pessoas que fizeram as entregas, a data em que e o que entregaram, como por exemplo, joias, objetos de valor ou mesmo animais.

O conjunto documental do tempo do Erário Régio, composto por livros de receitas e despesas, registos dos decretos, ordens e provisões enviadas para as Juntas da Real Fazenda, também nos conta uma história que vai muito além dos números e dos registos financeiros. Num dos livros de provisões e cartas expedidas pelo Erário Régio à Capitania de Minas Gerais, encontramos uma Provisão de 1 de agosto de 1775 que manda aplicar, no hospital militar da capitania, a dieta que já tinha sido estabelecida em todos os hospitais reais e militares do Reino. A história conta-se em poucas palavras.

Contrariando a ideia atual das virtudes terapêuticas do caldo de galinha, o Erário Régio ordenava a abolição do “uso ordinário das galinhas que até agora mandavam dar aos enfermos (…) depois de se terem conhecido por sérias reflexões e multiplicadas experiências, e pela prática de todas as nações civilizadas que o uso das galinhas para aquele efeito, era uma preocupação quimérica insubsistente, e até, contraditória dos princípios em que se fundava”. 

Com “A História que as Contas nos contam” ficamos também a saber pormenores “deliciosos” sobre  os bens alimentares, a logística e os custos da viagem marítima de mais de 80 dias que a princesa Leopoldina, filha do imperador austríaco Francisco I, iniciou no dia 14 de agosto de 1817, no porto de Livorno, em Itália, com destino ao Brasil para se encontrar com o príncipe D. Pedro, filho de D. João VI, rei do Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves, com quem se tinha casado por procuração. O tratado de casamento, assinado em Viena, em 1816, estabelecia os dotes, as questões sucessórias e também os custos com a viagem da princesa até ao Rio de Janeiro: o percurso de Viena a Livorno era custeado pela Coroa austríaca, e de Livorno ao Brasil pela Coroa portuguesa. 

O elenco dos bens alimentares inscritos nos registos e documentos da viagem revela que foram transportados, por exemplo, 1456 dúzias de ovos, 1850 molhos de couves, 5378 libras de cebola e 6437 libras de batata inglesa. Os produtos mais caros eram: 44 bois vivos (3.148$040 réis); 98 porcos vivos (1:764$000); farinha de trigo (1:224$025 réis); e 7282 canadas de vinho (1:015$839 réis). Os documentos indicam também que o encarregado do aprovisionamento da comissão criada para tratar do abastecimento e logística da armada que transportou a princesa recebeu, entre abril de 1817 e fevereiro de 1818, 900$000 réis e um escrivão do encarregado 640$000 réis. 

O Arquivo Histórico do Tribunal de Contas integra ainda o Livro da Receita e despesa do Tesoureiro Mor e o Livro mestre da Contadoria-Geral da Cidade de Lisboa e o seu Termo (Erário Régio), que contém os registos dos pagamentos efetuados a Cipriano Ribeiro Freire, o primeiro representante diplomático de Portugal nos Estados Unidos (1794.1799) e que foi Diretor do Erário Régio (1808-1809).

A Ordem do príncipe regente, futuro D. Joao VI, de 1 de março de 1793 ao presidente do Erário Régio (visconde de Vila de Nova de Cerveira e marquês de Ponte de Lima) estabelecia que o nomeado ministro residente nos EUA deveria receber 4:800$000 réis por ano, em pagamentos mensais de 400$000 réis e 1:600$00 réis em ajudas de custo.

Um olhar mais atento pelos registos permitiu detetar ainda o caso das obras de arte perdidas no naufrágio do navio Saint-André, um dos quatro vapores contratados para transportar até Portugal, os produtos e obras de arte expostos na Exposição Universal de Paris de 1900. Em janeiro de 1901, o Saint-André, naufragou já ao largo da costa portuguesa, tendo ficado irremediavelmente perdidas algumas das obras dos artistas portugueses que tinham estado expostas em Paris. A título de curiosidade refira-se que as despesas da seção portuguesa na Exposição foram custeadas com as verbas inscritas do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria de 1899-1900. No Orçamento de 1899-1900 previu-se como despesa extraordinária uma verba de 100:000$000 réis e no Orçamento seguinte 40:000$000 réis. Com o final da Exposição, é aprovado um Orçamento Suplementar de 21:946$600 réis para suprir as deficiências do Orçamento Geral e assegurar as despesas com o regresso dos bens a Lisboa e outras despesas não previstas em Paris.

Este livro permite ainda ficar a saber que a expressão “estamos quites” está intimamente ligada à história do controlo das finanças públicas e que Miguel Ângelo Lupi, pintor do século XIX, e autor do retrato a óleo de D. Pedro V, exposto no átrio do edifício-sede do Tribunal de Contas, tomou posse, a 24 de outubro de 1855, como aspirante de 2ª classe no Tribunal de Contas. A sua permanência no Tribunal foi determinante para o lançamento da sua carreira como pintor.

No Arquivo Histórico do Tribunal de Contas encontramos muitos exemplos de como, a prestação de contas assume uma verdadeira forma de arte, através da caligrafia, durante séculos. Um dos que consta nesta obra é o Livro de Conta Corrente de António Xavier Soeiro e seu irmão, Manuel de Sousa Soeiro, como Tesoureiros-Gerais das Sisas do Reino e seus depósitos, nos anos de 1752 a 1759.

“A História que as Contas nos contam” contém ainda muita informação sobre as contas de 1945 das obras da Cidade Universitária de Coimbra; da última conta do Cônsul-Geral de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, de janeiro a junho de 1940; do processo de reedificação do Aqueduto de Óbidos decretado pela Rainha D. Maria I em maio de 1788; e do processo da Casa dos Contos de 1747 para a edificação da Igreja do Estreito de Câmara de Lobos, na Madeira, em que o padre Manuel Borges de Alemanha pediu que se “mande orçar Igreja capaz de receber 800 almas”. 


​​Esta obra, dirigida pelo Presidente do ​​Tribunal de Contas, José Tavares, é fruto do trabalho de uma vasta equipa que aqui destacamos:

AUTORIA DOS TEXTOS 
Cristina Cardoso, Diretora do Arquivo Histórico do Tribunal de Contas 

COLABORAÇÃO ​
Arquivo Histórico do Tribunal de Contas: Alexandra Pinto, Ângela Silva, Maria de Lurdes Henriques e Nuno Duarte 
Departamento de Sistemas e Tecnologias de Informação: João Paulo Amado 
Gabinete de Comunicação: Susana Barriga, Joana Gaivão (até outubro de 2023)

EDIÇÃO
Afonso Reis C​abral 

TRADUÇÃO PARA INGLÊS 
Joseph Owen 

REVISÃO 
​Ana Isabel Albuquerque (português) Sarah Greenwood (inglês) 

CAPA, CONCEÇÃO GRÁFICA E PAGINAÇÃO 
Rita Múrias​