Mais de uma década depois da primeira tentativa para implementar o processo da revisão da despesa em Portugal, este instrumento de apoio à gestão financeira pública ainda não alcançou um estado de maturidade que assegure a sua eficácia. Esta é a principal conclusão do relatório de auditoria ao “Exercício de Revisão da Despesa (Spending Review)”, que o Tribunal de Contas acaba de publicar.
A revisão da despesa consiste num escrutínio detalhado, coordenado e sistemático da despesa base do Estado, com o objetivo de identificar poupanças decorrentes de melhorias na eficiência e oportunidades para reduzir ou redirecionar despesa pública não prioritária, ineficiente ou ineficaz.
Em Portugal, sucederam-se três experiências distintas de desenvolvimento deste tipo de instrumento de gestão financeira, entre 2013 e 2024. As duas primeiras revelaram-se “episódicas e desconexas e não permitiram um desenvolvimento contínuo do exercício”. A terceira, atualmente em curso, não obstante estar mais alinhada com as boas práticas internacionais, “ainda não produziu resultados efetivos”.
“É paradoxal que no decurso da implementação de um processo, que se propõe melhorar a economia, eficiência e eficácia da despesa, tenha existido um significativo desperdício de recursos”, lê-se no relatório.
Em relação à primeira experiência, que decorreu durante o programa de ajustamento económico e financeiro (2013-2014), a implementação do processo beneficiou da assistência técnica do FMI e teve um âmbito abrangente, embora a análise da despesa base não tenha sido “muito profunda”, consistindo sobretudo em comparações nacionais e internacionais (benchmarking).
“O alinhamento desta primeira experiência com as melhores práticas internacionais foi muito limitado. Apenas no que diz respeito à definição clara dos objetivos e à integração no processo orçamental se verificou o alinhamento com essas boas práticas. Em sentido contrário, é de destacar a falta de transparência do exercício e de definição clara dos papéis dos intervenientes no processo”, concluiu a auditoria.
A segunda experiência, que decorreu entre 2016 e 2023, ficou marcada pela “ambiguidade” quanto aos objetivos e âmbito do exercício, pela “fragilidade” da estrutura de governança responsável pela sua execução e “pela tentativa de envolvimento de um grande número de entidades no exercício através da recolha de iniciativas individuais geradoras de poupanças no processo de preparação anual do Orçamento do Estado, através de um suporte instrumental criado pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), denominado de Anexo X, que se veio a revelar inútil enquanto mecanismo para uma maior racionalização da despesa pública”.
As medidas de revisão da despesa indicadas pelos ministérios setoriais nos Relatórios do Orçamento do Estado (2017 e 2023) revelaram-se “tecnicamente inconsistentes” e a qualidade da informação “mostrou-se muito fraca”.
“Não há conhecimento de que tenha existido controlo da informação submetida pelos serviços e entidades através do Anexo X, por parte do Ministério das Finanças e dos ministérios setoriais, nem a monitorização da implementação das medidas propostas”, refere o Tribunal de Contas, lembrando que o “Anexo X” chegou a ser “apresentado perante entidades internacionais, como um pilar fundamental do exercício de revisão da despesa em Portugal”.
No contexto desta segunda experiência, foi aprovado o Sistema de Incentivos à Eficiência da Despesa Pública (SIEF), instrumento direcionado à melhoria da qualidade da despesa pública, que se revelou “totalmente ineficaz”. “Desde a sua criação, em 2017, apenas uma candidatura foi aprovada e não foram pagos quaisquer incentivos. Apesar da sua ineficácia total, o sistema não foi objeto de avaliação, nem de qualquer alteração e manteve-se em vigor até 2024”, lê-se no relatório.
Em relação ao terceiro e atual processo de revisão da despesa, a auditoria do Tribunal de Contas concluiu que “ainda subsistem riscos na capacidade de assegurar a transição para as etapas mais exigentes do processo: a implementação das ações de política, a monitorização dessa implementação e a avaliação ex-post do processo”.
Aceda aqui ao relatório de auditoria.