O Tribunal de Contas alerta que um dos maiores desafios atuais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é o de equilibrar a resposta à segunda fase de maior incidência da pandemia Covid-19 com a garantia de assistência aos doentes não-Covid sem o aumento acentuado dos tempos de espera.
Este alerta consta do relatório sobre COVID 19 – Impacto na Atividade e no Acesso ao SNS, realizado entre março e julho, hoje divulgado, relativo à gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde. Este documento é preliminar de uma ação de controlo em curso e sublinha, entre outros aspetos, a necessidade de um reconhecimento no SNS das melhores práticas administrativas de reorganização dos serviços, bem como a revisão e o ajustamento de planos de contingência.
Em causa, está a necessidade de se conhecer e avaliar o “trade-off” da afetação de recursos ao tratamento dos doentes com COVID-19, face às necessidades de diagnóstico e tratamento de outras doenças, ainda que não urgentes (recuperação da atividade programada).
A este propósito, o Tribunal considera que a recuperação da atividade não realizada terá de ocorrer num contexto de cuidados adicionais na prática clínica, com o risco de a capacidade instalada no SNS não ser suficiente para fazer face a este aumento de procura sem o aumento acentuado dos tempos de espera.
A criação extraordinária de incentivos específicos no sistema de financiamento do SNS pode ser uma das soluções, além do uso que o Ministério confira a todos os mecanismos já existentes e sem prejuízo do seu reforço, frisa o Tribunal, dando como exemplo a majoração dos incentivos à produção adicional no SNS que já foi efetuada.
Convém lembrar que a necessidade mundial de dar resposta à pandemia de COVID-19 levou à adoção de medidas que condicionaram a realização de atividade programada não urgente, o que em Portugal ocorreu na sequência do Despacho da Ministra da Saúde, de 15 de março de 2020.
A atividade dos prestadores do SNS nos meses de março a maio de 2020 foi assim inferior à registada no mesmo período de 2019, sendo de destacar a redução da atividade cirúrgica programada (-58%, 93.300 cirurgias), da atividade dos serviços de urgência hospitalares (-44%, 683.389 atendimentos) e das primeiras consultas externas médicas hospitalares (-40%, 364.535 consultas).
Por sua vez, o recurso à teleconsulta foi relevante para conter a redução da atividade presencial nos cuidados de saúde primários (aumento de 83% das consultas não presenciais ou inespecíficas, passando a representar 65% do total), embora nos cuidados de saúde hospitalares a realização deste tipo de consultas se tenha mantido residual.
As novas inscrições de utentes para consulta externa hospitalar (referenciadas pelos cuidados de saúde primários) e para cirurgia reduziram-se acentuadamente. Até maio de 2020, foram feitos apenas 67% dos pedidos de consulta e realizadas 42% das inscrições para cirurgia ocorridas no período homólogo de 2019.
No entanto, as medianas dos tempos de espera dos utentes em lista agravaram-se entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de maio de 2020: i) nas consultas externas, de 100 para 171 dias, com cerca de 69% dos inscritos em 31/05/2020 a aguardar para além dos Tempos Máximos de Resposta Garantidos (TMRG); ii) nos inscritos para cirurgia, de 106 para 147 dias, com cerca de 43% dos inscritos em 31/05/2020 a ultrapassar os TMRG.
As cirurgias realizadas em maio de 2020 também registaram alguma deterioração do cumprimento do TMRG, ainda que se mantivesse relativamente próximo dos valores registados em anos anteriores.
Já nas cirurgias mais urgentes (prioridades 3 e 4, doença oncológica e não oncológica), o cumprimento dos TMRG melhorou, devido ao foco da atividade nestes doentes, face aos menos urgentes.
A retoma da atividade não urgente no SNS foi enquadrada pelo Despacho n.º 5314/2020, de 2 de maio, da Ministra da Saúde, que determina medidas potencialmente promotoras de uma mais eficaz e eficiente alocação dos recursos, ainda que existam riscos quanto à sua concretização.
Em junho de 2020, os resultados da retoma da atividade não se revelaram uniformes. Verificou-se uma recuperação parcial dos níveis de produção de consultas e cirurgias programadas em algumas unidades hospitalares, mas, na generalidade das unidades, a produção manteve-se inferior à realizada em 2019.
RELATÓRIO N.º 5/2020 – OAC - 2.ª SECÇÃO - COVID-19 – Impacto na atividade e no acesso ao SNS